sábado, 26 de fevereiro de 2011

Mas algumas refutações a Teoria do Intervalo

Foi Thomas Chalmers que propôs a teoria do intervalo - a idéia de que entre Gênesis 1.1 e Gênesis 1.2 há um longo período de tempo. Teria a terra se tornado um caos depois da criação original? Foram os dinossauros e outras criaturas mortas e fossilizadas neste período? Será que Adão e Eva realmente estavam andando em nada mais nada menos que o cemitério de criaturas colossais? Teria Satanás já se tornado o deus deste mundo muito antes de Adão e Eva terem sido dado o domínio? Estas perguntas clamam por respostas bíblicas. Será que um mero compromisso com a explicação uniformitariana (como Thomas Chalmers propôs) não estaria minando a autoridade bíblica?

A teoria do intervalo tradicionalmente defende que num passado remoto Deus criou um céu perfeito e uma terra perfeita. Satanás era o governante desta terra. Alguns acreditam que esta terra era habitada por uma raça de homens sem almas. Eventualmente Satanás habitava num Jardim do Éden, composto por minerais (Ez. 28). Satanás então rebelou-se contra Deus (Is 14) e por causa da sua queda, o pecado entrou no mundo, trazendo o julgamento de Deus na forma de dilúvio (indicado pelas águas de Gênesis 1.2). Então todos os fósseis de plantas e animais que nós temos hoje datam desta época.

Parece que Chalmers no seu entusiasmo de harmonizar a Bíblia entregou para o inimigo aquele componente básico que a ciência evolucionária mais precisava: tempo, e vasta quantidade de tempo! Tendo por base aquela indispensável regra da hermenêutica bíblica de que a Bíblia interpreta a si mesma e de que nenhum texto deve ser interpretado independente de seu contexto, percebemos que a teoria do intervalo é mais uma harmonização externa do que uma exegética interna. Em Exodo 20:11 Moisés afirma que em seis dias Deus criou o universo e tudo o que nele há. Isto estabelece um limite cronológico a respeito da interpretação do primeiro capítulo de Gênesis que vaporiza não somente a teoria do intervalo mas qualquer outra teoria que não postule a formação de todo o universo na estrutura dos seis dias da criação. Os proponentes da teoria do intervalo afirmam que há uma distinção entre a palavra criar (bara) em Gênesis 1.1 e fazer (asah) em Exodo 20.11. Para eles bara e asah referem a dois tipos de criação separadas pelo tempo. Bara seria a criação original e asah a recriação depois da queda do diabo. Mas um cuidadoso estudo revela que o significado de asah é igual ao significado de criar.

De especial interesse é Neemias 9.6 onde a palavra asah é usada afirmando que Deus fez o céu e todo seu exército (anjos). Para aqueles que interpretam asah como uma recriação após a queda de Satanás, temos aqui uma contradição lógica, pois os anjos estão incluídos nesta segunda criação! Como então Satanás teria caído se os anjos nem tinham sido criados ainda? A hermenêutica bíblica tem que ser consistente e não subjetiva.

Outra passagem de interesse é Provérbios 8:26: “Ainda Ele não tinha feito (asah) a terra...nem sequer o princípio do pó do mundo.” O contexto está nos versículos 22 e 23: “O Senhor me possuía no início de sua obra, antes de suas obras mais antigas, desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes do começo da terra.” Se asah é entendido por recriação, então Deus não possuía a sabedoria quando ele criou o mundo original, e foi possuir só depois da queda de Satanás! Como vemos, ambas as palavras são usadas como sinônimos (ver também o uso de bara em Gn 1.21 e asah em Gn 1.25 onde se refere a criação dos animais aquáticos e terrestres; e Gn 1.26, 27 onde asah e bara são usados para designar a criação do homem). Também era uma característica do hebraíco, particularmente na poesia, o fato de se usar dois verbos diferentes para se referir a mesma ação (paralelismo sinonímico - ver Is 41.20 onde asah e bara são usadas trocavelmente).

Proponentes da teoria do intervalo tem argumentado que a gramática de Gênesis 1.2 é favorável a interpretação do longo intervalo de tempo. No entanto, nós temos uma cláusula nominal em Gênesis 1.2 (“a terra estava sem forma e vazia...” representa algo fixo, um estado) e não uma cláusula verbal - a qual representa algo em progresso. Por exemplo: “O Senhor é nosso rei” em Is 33.22 é uma cláusula nominal e “Deus disse” em Gn 1.3 é uma cláusula verbal).

Desta forma Gênesis 1.2 é uma cláusula nominal, a qual é circunstâncial (subordinada e explanatória) à Gn 1.1. Assim em 1.2 nós temos uma descrição da terra como ela foi originalmente criada e não como ela tornou-se em um tempo subsequente à criação. Uma tradução equivalente destes trechos seria: “No princípio Deus criou o céu e a terra, agora, a respeito da terra, ela estava sem forma e vazia.”

Um outro ponto gramatical a ser discutido é o waw que é usado como conjunção entre o primeiro e o segundo versículo. Existe o waw consecutivo e o waw copulativo.
O waw consecutivo expressa sequência de tempo. Este é o tipo de waw usado em Gn 1.3 “E Deus disse.”

O waw copulativo é também conhecido como waw disjuntivo (porque ele quebra a sequência da narrativa) ou waw conjuntivo (porque ele adiciona detalhes circunstânciais). O uso do waw disjuntivo é o mais apropriado para descrever Gn 1.2, porque o waw não está continuando uma sequência (waw consecutivo) e não está adicionando detalhes explanatórios para a narrativa (waw conjuntivo). Segundo F. F. Bruce, para permitir um intervalo de tempo o texto teria que ter um waw consecutivo ao invés do waw copulativo.[2]

A gramática destes dois versos nos forçam a dizer que a terra foi criada sem forma e vazia. Dizer que ela foi criada e depois tornou-se sem forma e vazia é gramaticamente impossível. Desta maneira Gênesis 1:2 não é um desenvolvimento sequencial e cronológico de Gênesis 1.1.

Um outro argumento dos proponentes da teoria do intervalo é de que a palavra estava (Gn1.2) – hayeta - deve ser traduzida como tornou-se. É imperativo notar que a palavra hayeta é copulativa, ou seja, ela serve como cópula ou conexão entre “a terra” e “sem forma e vazia.” Adicionando a isto, os tradutores da Septuaginta traduziram hayeta pela palavra grega eimi (ser) e não ginomai (tornar-se). Não havia nenhum agente externo (teoria do uniformitarianismo) que fizesse com que os tradutores antigos compromissassem o sentido original do texto! Sem dizer que nenhuma versão Bíblica de respeito traz a palavra tornou-se, mesmo que seus tradutores não acreditem na literacidade e historicidade de Gênesis 1-11. Inserir uma preposição nas Escrituras que elas não afirmam, simplesmente por causa de uma visão pessoal do mundo é um grave erro de exegética. Embora tornar-se pode também ser um dos significados de hayeta em situações bastante restritas, o fato de Gn 1.2 ser uma cláusula circunstâncial de Gn 1.1 torna impossível traduzir hayeta por qualquer outra palavra a não ser estava.

Outra consideração a ser feita são as palavras tohu e bohu, traduzidas normalmente como sem forma e vazia. Proponentes da teoria do intervalo argumentam que bohu deve ser traduzido por “destruído” e não como algo que está para ser construído. A palavra é usada apenas 3 vezes no AT, e em cada uma delas num contexto diferente e com um significado diferente (Is 34.11 e Jr 4.23 - esta última referindo-se ao juízo de Deus no futuro). Apenas em Is 34.11 onde o contexto está relacionado com a destruição dos muros que bohu é usado como algo destruído, mas nenhum léxico defende esta mesma interpretação para Gn 1.2. Se os teoristas do intervalo reivindicam uma interpretação especial em Gn 1.2 de bohu simplesmente por uma mera preferência subjetiva, então porque não interpretar os demais versículos (Is. 34.11 e Jr. 4.23) com o mesmo sentido de Gn 1.2? Mas é claro, isto seria apenas uma opinião subjetiva e não teria nenhum lugar no estudo objetivo da gramática Vetero-Testamentária.

Tohu significa ‘sem forma.’ Os teoristas do intervalo entendem tohu como algo que foi reduzido ao caos. Mas não há nenhuma relação ao conceito de redução dentro da palavra. Nota-se que nas outras duas únicas vezes em que tohu e bohu são usadas juntas, se refere a eventos proféticos futuros e não eventos históricos passados. A terra então, longe de estar num estado de caos, estava num período particular de criação. Ela tinha um núcleo, manto e crosta composto de metais e rochas. Ela estava coberta pelos oceanos e envolto em uma perfeita atmosfera, mas ainda não estava completa de acordo com o propósito de Deus. Por isso que no segundo e terceiro dia da criação nós vemos Deus mais organizando a Terra do que criando. Deus não criou a terra para ser um caos, mas sim para ser habitada (Is 45.18).

Muitos, rejeitando a teoria de que o Dilúvio de Noé é o suficiente para responder os depósitos de fósseis, carvão e petróleo, os colocaram no intervalo de Gn 1.1 e 1.2. Mas se isto for verdade, se existia morte no mundo animal antes de Adão, como é que nós iremos explicar Rm 5.12 o qual diz que por um homem só o pecado entrou no mundo e pelo pecado a morte? Paulo ainda afirma que toda a criação ficou sujeita a corrupção por causa de Adão (Rm 8.20). Ou seja, a maldição só entrou no mundo natural por causa do homem (Gn 3.17,18). O quanto as plantas e os animais mudaram por causa da queda nós não sabemos, mas não podemos negar que ela caiu do estado de perfeição após a queda. E isto não se restringe só ao planeta terra, mas a todo o universo. Poderia então, a morte prevalecer num mundo perfeito sem pecado? Não indica a Bíblia que a criação geme e suporta angústias (Rm 8.22) por causa da maldição Edênica que veio após a queda? Realmente me parece incrível acreditar que Satanás e seus anjos tenham caído, que a terra tenha sido arruinada por um dilúvio pré-adâmico, que uma raça pré-adâmica inteira tenha perecido, que um mundo completo de animais e plantas tenham se tornado extintos e que Adão e Eva estavam caminhando em cima deste cemitério cósmico e que Deus tenha dito no final da criação: Muito Bom! (Gn 1.31).

Quando então teria Satanás caído? Muitas denominações incorporam em suas teologias oficiais o fato de que Satanás caiu antes da criação do mundo. Existe nesta pressuposição um implícito compromisso com o uniformitarianismo. Que Lúcifer caiu é inegável (Is 14). Agora assumir que ele andava num Eden pré-adâmico (Ez 28) é inconcebível. Como já foi refutado a idéia de uma ruína-restauração da terra, segue-se que o Éden, Jardim de Deus de Ez 28 era o Éden de Gênesis 1, pois assim não só Ezequiel, mas também todos os profetas antes de Cristo, todos os apóstolos, todos os Pais da Igreja e basicamente toda a Igreja nos primeiros 18 séculos entendiam! Não há nenhuma razão segundo as Escrituras para colocar a Queda de Satanás antes da Criação, pois embora esta interpretação é popular hoje, ela nunca foi defendida durante a História da Igreja. Sem nenhuma pressuposição e não estabelecendo nenhuma ideologia a priori, antes fazendo uma análise a posteriori do texto de Gênesis junto com outros textos, a conclusão mais cabível é de que a Queda de Satanás se deu entre o término da Criação e aquele dia eventual onde a serpente cruzou o caminho de Eva.

Em suma, concluímos que é inacreditável crer que Moisés ao escrever Gênesis acreditava no intervalo de tempo entre duas criações distintas. Se a ssim o fosse, porque Deus então não nos deu mais detalhes deste dilúvio cósmico que destruiu toda uma criação ao invés de se comunicar entre as entrelinhas, escondendo o fato somente para os mais inteligentes da espécie humana descobrir? Reafirmamos que Gênesis 1-11 foi escrito para ser compreendido como uma história literal e não simbólica ou figurativa. O gênero literário de Gênesis 1-11 indica a natureza intencionalmente literal da narrativa. Com efeito, todos os escritores do Novo Testamento se referem a Gênesis 1-11 como história literal.